Com Austin*, concedo que o termo “real” é problemático e abre-se a múltiplas possibilidades de uso. “Real” não é sinônimo de “verdadeiro”, uma vez que até mesmo uma mentira pode ter sido real.
Exemplos: 1) “Esse carro é um verdadeiro avião.”- Será real o fato desse carro ser muito veloz, mas não é um avião e menos ainda um avião “verdadeiro”. Nesse caso, o uso é metafórico. 2) Uma alucinação pode ser real, contudo também poderia corresponder ao uso inadequado do termo para um engano ocasional. Uma alucinação é “real” para o sujeito alucinado e inclusive como dado semiológico, ou simplesmente uma ilusão passageira.
Quanto à realidade objetiva do teor alucinatório, é obviamente irreal. 3) O termo “bom”: Um “bom” bife não tem o mesmo sentido de um “bom” sono, de modo que o substantivo tem importância na especificação de algo adjetivado como “bom”.
O termo “real” contrapõe-se, eventualmente, a algo “irreal” ou falso. 4) A falsa coral é uma cobra verdadeira e real, mas não é a verdadeira serpente peçonhenta. Dessa maneira, “real” depende também de um atributo negativo: algo que “não” é.
Dizer simplesmente: “É uma coral “real”” pode até fazer sentido na distinção desse ofídio, mas não é o mesmo que dizer: “É real que é uma coral venenosa”. O termo “real” abre-se a outras dimensões, como “verdadeiro” e “falso”, sendo geral e ambíguo sem especificações, e claramente definido, desde que complementado: 5) A réplica da ‘Fontana di Trevi’ daquela cidade é uma fonte “real”, não a ‘Fontana’ “real”.
Finalmente, “real” exige ajuste, com o recurso de complementos, neologismos e palavras compostas: 6) “Peixe-boi”. 7) Transtorno bipolar do humor, fase atual depressiva e psicótica, típica (com sintomas congruentes- alucinações e delírios concordantes com a depressão acentuada do humor, além de traços pré-mórbidos: retraimento na infância, que exigiu atenção psicológica, pessimismo habitual e autoestima reduzida, desde a adolescência, e desânimo quase diário, que prejudica suas atividades profissionais- (Consta na história que é professor universitário de matemática), quadro de estado recorrente, em recuperação atual (após cerca de dois meses), sob uso de estabilizador do humor e antidepressivo (também especificados), com noção e crítica de doença.
As fases apresentam-se bimestralmente, devido ao uso irregular dos medicamentos. Verifica-se também reduzida adesão ao tratamento. Portanto, trata-se de um transtorno “real”** e especificado com maior precisão.
Não se segue a avaliação da dinâmica emocional, pois seria prolongar o texto. “Real” é um termo problemático…
*Austin, John Langshaw- Sentido e percepção. Trad. Armando Manuel Mora de Oliveira. 3. ed. São Paulo, WMF Martins Fontes, 2021.
** Exemplo baseado em caso “real”, e fiel ao conceito válido de transtorno bipolar do humor com expressão típica.
Ruy B. Mendes Filho
Médico Psiquiatra, Mestre em Psicologia, Supervisor Clínico do Hospital Psiquiátrico Itupeva