Suicídio: Informações socioculturais

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por Dr. Ricardo de Moura Biz, coordenador do Centro de Estudos em Saúde Mental Itupeva (CESMi), psiquiatra e psicanalista

 

As taxas de suicídio no mundo foram aumentando na medida em que a urbanizaçao foi se intensificando. Foi na década dos anos de 1980 que a população residente em cidades superou a que vivia no campo. E é indiscutível que na cidade, os impactos e as influências interpessoais são muito maiores que na zona rural, onde as pessoas tendem a viver mais distanciadas ou até isoladas. É nas cidades que ocorrem com mais intensidade os fenômenos de contágios interpessoais em lato sensu: doenças, moda, tendências consumistas, opiniões políticas ou esportivas, difusão de idéias etc.

Esse cenário de rica interação e interconexão cria certa “freqüência” em cada sociedade e quem não se “sintoniza” pode sofrer por se sentir isolado. Quando não se atende às demandas sociais, há certa tendência do organismo social rejeitar o “corpo estranho”, o diferente. A exclusão é uma fonte frequente de sofrimento pessoal. Populações hispânicas nos EUA têm taxa mais elevada de suicídio (Carroll-Ghosh et al, 2006); também em São Paulo aferiu-se que a taxa era superior entre os imigrantes (Bando et al, 2012). Não podemos associar diretamente o aumento da urbanização com o aumento do suícidio, pois existe mais complexidade na composição do tecido social.

Torna-se, portanto fundamental entender o meio social em que está inserido o indivíduo. As culturas são muito diversas entre si. No Brasil, é incomum um jovem matar-se por não passar no vestibular; já  no Japão o fracasso no vestibular  suscita ideias de inferioridade, incapacidade e deshonra, podendo levar o jovem ao suicídio.

Na Índia, dada à sus tradicional desvalorização da mulher, as viúvas rebaixadas à condição de mendicância e prostituição; diante deste infeliz futuro, algumas viúvas se atiram na pira funerária, onde está ocorrendo a cremação do marido, e imolam-se. Este comportamento feminino é conhecido na Índia por fenômeno das Sati  e foi comum no passado e atualmente é mais raro. Proporciona traz algum sentido virtuoso à falecida, o que pode ser atraente se pensarmos numa vida degradada de viúva (Costa, 2012).

Mesmo dentro de um mesmo país, temos que considerar meios culturais específicos. As crianças, cujos suicídios não são comentados (Cassorla, 1991), têm especificidades diferentes dos adolescentes, que têm questões diferentes dos adultos, que, por sua vez, preocupam-se com aspectos diferentes se comparados com os idosos. Cada faixa etária está numa “frequência” e investe sua energia em coisas diferentes, por conseguinte esperam resultados diferentes de seus investimentos em suas vidas.

A identificação de uma pessoa com outra vai se expandindo, como uma rede, e cria esse fenômeno social que chamo de“frequência”, e acaba por transmitir ao indivíduo algum sentimento de interconectividade, que funciona como algum amparo ou suporte psíquico aos membros do grupo. E mais: fomenta um corporativismo. O grupo torna-se a extensão do indivíduo e vice-versa. É o que observamos por exemplo:

  1. nos animais – uma manada de búfalos, alcatéia de lobos ou bando de leões nas quais os membros protegem-se e até se arriscam pelo outro;
  2. nos povos primitivos que se entregam a tribo , num sentimento de comunhão entre os membros, que não possuíam uma consciência propriamente individual, mas coletiva, incluindo, muitas vezes, nesse coletivo os outros animais e até a floresta;
  3. nos grupos modernos subdivididos em países, etnias, cidades, times, grupos escolares, religiões, profissões etc.

O estudo das dinâmicas particulares de cada grupo auxiliam-nos no entendimento de casos de atentados suicidas, geralmente de cunho religioso ou político. Homens-bomba que se matam e assassinam pessoas de grupos distintos em prol de seu grupo de origem. A força da influência social pode arrastar o indivíduo à morte (suicídio ou assassinato), mas a mesma força pode também os impulsionar à vida, dependendo da interação que se estabelece entre as forças individuais e coletivas do entorno.

Referências:

Carroll-Ghosh, et al (2006). Suicídio. In Tratado de psiquiatria clínica (pp1361-1384). Porto Alegre: Artmed.

Bando, et al (2012) Suicide rates and trends in São Paulo, Brazil, according to gender, age and demographic aspects: a joinpoint regression analysis Revista Brasileira de Psiquiatria vol. 34 número 3

Costa, F. (2012) Os Indianos. São Paulo: Contexto

Cassorla, R.M.S.(1991), Comportamentos suicidas na infância e adolescência, In Do suicídio. Campinas: Papirus

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