Sobre o conceito de ‘borderline’

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por Dr. Ruy B. Mendes Filho, Médico Psiquiatra e Mestre em Psicologia, Professor de Psicopatologia, Supervisor Clínico do Hospital Psiquiátrico Itupeva e da Sociedade Rorschach de São Paulo.

 

Assisto alguns vídeos com muita paciência. Neles, são emitidas “opiniões” (na verdade, palpites) sobre a elevação da prevalência do “transtorno ‘borderline’ da personalidade em razão do capitalismo neoliberal.

Vamos por partes: 1) ‘Borderline’ é dinâmica, não diagnóstico (contra o que preceituam as classificações atuais, inconsistentes); 2) O conceito de diagnóstico difere, em psiquiatria e psicanálise; 3) Em psicanálise, ‘borderline’ corresponde à ausência da sedimentação precoce de uma estrutura mental ou à oscilação entre episódios narcísicos e conflitos edipianos (de tal modo que a dinâmica pode variar em expressão comportamental).

De acordo com o DSM-5, esse “transtorno” inclui-se entre os tipos gerais de “instabilidade emocional”: impulsivo, explosivo e ‘borderline’. São características definidoras da dinâmica ‘borderline’: intensa angústia (ou ansiedade) perante a possibilidade de abandono real ou imaginado, com esforços desesperados para evitar essa ocorrência temida (Ansiedade de rejeição); oscilação entre extremos de valorização e desvalorização do outro, o que torna os relacionamentos instáveis; perturbações da identidade, da autoimagem ou da percepção de si mesmo.

Imaturidade e impulsividade são aspectos comuns à dinâmica ‘borderline’ e aos assim denominados “impulsivos” e “explosivos”. Na dinâmica ‘borderline”, podem prevalecer a expressão “neurótica” e “bipolar” (ansiedade, oscilações do humor), a conduta similar ao das personalidades psicopáticas (envolvendo atos autodestrutivos, agressivos e delinquenciais, sentimentos subjetivos de ‘vazio’ ou de incompletude), ou até mesmo episódios psicóticos com feitio paranoide, em geral transitórios.

Kraepelin já considerava a diferença entre tipos autenticamente psicopáticos e expressões que traduzem desequilíbrios do humor (não psicóticos). Schneider incluiu em sua classificação (descritiva) variantes que envolviam o humor e a instabilidade emocional.

Afirmar-se que há prevalência da dinâmica ‘borderline’ no presente não se sustenta em pesquisas empíricas, que inclusive utilizam questionários de autopreenchimento (a sugestão é fator relevante de viés).

Concluir que a dinâmica ‘borderline’ resulta de fatores socioculturais complexos, como o modo de produção capitalista, neoliberal ou não, é mais uma bobagem divulgada no presente.

Areteu da Capadócia (Séc. I) descreveu a ocorrência entre raiva impulsiva, melancolia e mania, de maneira que nada disso é novidade. Resta comentar sobre a elevada expressividade emocional que caracteriza o histrionismo. Fica para a próxima postagem.

 

Berrios, G. E.&Porter R. (Ed.)- Uma história da psiquiatria clínica: a origem e a história dos transtornos psiquiátricos. Trad. Lazslo Antonio Ávila. São Paulo, Editora Escuta: 987-1003.

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