A raiva se trata de algo muito inerente aos seres vivos. Segundo Luís Fernando Veríssimo, foi o único pecado, na forma de ira, cometido por Deus. Fugir dela é pedir para adoecer- o famoso cardiologista Adib Jatene dizia que o infarto não era causado pelo colesterol, mas sim pela raiva.
Por outro lado externá-la em todo momento em que ela vier é um convite ao insuportável da vida. Seguindo nossa série de gestões para qualidade de vida, vejamos alguns pontos de como gerir a raiva:
O primeiro passo: reconhecer que a raiva está vindo. Não existe súbito acesso de raiva. Isso é para quem está enxergando de fora. Aquilo vai fervilhando dentro da gente e algo precisa ser feito antes do caldo entornar. Tem o famoso contar até dez, que nem sempre funciona. A pergunta a ser feita é “estou sendo injustiçado de alguma maneira, por isso estou ficando com raiva”? Ok, lutemos contra a injustiça. Mas até isso pode ser feito de forma branda.
Vamos assumir um pressuposto: Raiva não se escreve. Escrever qualquer coisa com raiva é semear uma briga com raízes fortes cujas consequências são incontroláveis. Brigar por e-mail? Nunca! Suas palavras podem ser impressas para sempre, a pessoa vai ficar relendo aquilo e segue o moto contínuo de ódio. Por whatsapp então? Mesma coisa, semear confusão duradoura, com desgaste pior ainda.
E mandar recado por voz no zap? É a reinvenção do bate-boca. Gente, precisa disso? Pode-se sempre marcar uma conversa para um tempo depois, tempo esse que seja seguro para que os argumentos sejam cada vez mais ancorados na razão que na ira. A serenidade é uma poderosa consertadora de injustiças, e ser sereno não faz de você um banana mas sim alguém maduro.
Extravazar a raiva é fundamental, quanto mais se for sozinho. Pode gritar, pode esmurrar alguma coisa que não o machuque, pode fazer uma caminhada no parque ou numa ergométrica escutando um som, pode até tramar uma vingança sanguinária, desde que você não comente com ninguém. Sempre se lembrando do que nos disse Miguel de Cervantes: “Não existe vingança justa”, e devolver uma injustiça com outra faz o problema continuar indefinidamente.
Dividir o problema com alguém na forma de desabafo é eficaz quando o ouvinte é antes de tudo isso: um ouvinte. Pode ser que a pessoa, com toda a boa vontade do mundo, demore a entender o que houve e fique fazendo perguntas para entender melhor.
E pode ser, ô meu Deus, que ela termine dizendo que você talvez não esteja tão certo assim, emita um juízo de valor e lhe dê um sermão; e você que foi ali para ser ouvido, vai ter que ouvir uma reprimenda, daí a raiva aumenta.
Isso serve para você também. Se um amigo vier desabafar, o que você vai oferecer é apenas e tão somente seus ouvidos. Dar conselho a quem está com raiva é jogar gasolina na fogueira.
Jesus nos ensinou a dar a outra face depois de um tapa na cara. Isso não é sinal de covardia nem de subserviência. Isso é sinal de resistência. Sinal que você aguenta e aquilo não vai te derrubar, mesmo que apanhe mais.
Tem várias formas de fazer isso, que não virando o rosto para outro tapa. Um email educado, que só pode ter uma linha ou duas, num tom ameno – só cuidado para não resvalar no cinismo. Um recado de voz curto, também ameno.
Tentar desabafar com quem não tem absolutamente nada com o assunto é muito bom. Tudo isso sem esquecer do exercício, que não será para perder peso e sim para que a raiva saia na transpiração.
Porque no fim das contas, a raiva ou vai para o suor ou para as artérias do coração.
Autor: Dr Michel Matias Vieira – Médico Psiquiatra, Diretor Clínico do Hospital Psiquiátrico Itupeva