Começemos com o escritor argentino Jorge Luís Borges: “Contemplar é um ato de paixão. Quem contempla desapaixonadamente não contempla”, já nos ensinava o autor de “O Aleph”. Essa nossa conversa hoje é sobre a falta de contemplação no mundo.
Depressão? Sempre houve, talvez mais até em outras épocas. Mas não era medida em termos estatísticos. Passamos a medir os graus de melancolia das gentes e tomamos um susto com a prevalência dos níveis altos, como se eles tivessem chegado junto com as pesquisas.
Não, sempre estiveram por aí. Se eu tenho certeza? Claro que não.
Ansiedade?
Tão comum quanto o movimento de rotação do planeta Terra. Não passou a existir apenas após a epifania de que pode se tratar de uma doença, e daí tome levantamentos estatísticos a nos provar que a humanidade padece deste terrível mal. Sim padece. Mas faz tempo.
Querem desesperadamente arranjar um mal do século? Arranjamos um facinho. Deixem-me dizer: o mundo de hoje não contempla. As pessoas não param mais para olhar, para cheirar, para sentir, para procurar as texturas. Tudo está muito corrido e à mão. Tudo está disponível. Tudo vem às avalanches.
Não se toma as coisas pela memória. Ninguém perde tempo tentando lembrar. O google está ao nosso alcance na palma da mão. Um círculo vicioso, acho que deu tempo, já se formou: primeiro vamos ao google para procurar algum nome de algum componente de alguma banda, do goleiro do nosso time no último campeonato conquistado, do ano em que se deu este campeonato. Foi fácil. Daqui para frente não perderemos mais tempo em saber estas miudezas e talvez se justificasse se nos dedicássemos às grandezas, mas nem isso.
Voltemos a Borges. Onde foi parar a paixão? Não a paixão dos românticos, de Romeu e Julieta. Mas sim a paixão que gera entrega a qualquer coisa, que leva à renúncia a outras coisas. Que seja uma paixão breve, brevíssima, mais breve que a média das paixões.
Enfim, que seja uma paixão que pelo menos nos leve a contemplar.
Observar com cuidado os momentos ou os caminhos pelos quais caminhamos. Entender certos aspectos de nosso emprego – talvez ele não seja tão chato assim, ou dos nossos filhos, amigos, colegas de trabalho – talvez eles não sejam tão chatos assim.
Mas é que não dá tempo… As redes sociais tem cada vez menos textos. Só imagens, e se pára em uma, logo se vai para outras. São vídeos curtos que assistimos, cada vez mais curtos. E não se espera mais nem pelo próximo capítulo, ele está lá à disposição, para fazer parte da maratona.
O mundo é pior hoje? Não. Banhos quentes que eram para reis, hoje são para todo mundo e há mais sabores de sorvete. O que não há mais é tempo onde se possa parar para ver, para se apaixonar e assim poder contemplar.
Talvez este mundo esteja perdido mesmo…