Meses coloridos e doenças sombrias

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por Dr. Ricardo de Moura Biz, Médico Psiquiatra e Psicanalista, Membro da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, Colaborador do Centro de Estudos de Saúde Mental Itupeva.

 

Mais um setembro amarelo, mais um cartaz na parede, um outdoor visto de relance e um psiquiatra falando de suicídio. Poderíamos indagar: essas campanhas mês-cor de fato ajudam na conscientização? Há ainda palanque para um tema como o suicídio, por exemplo, tão explorado pela mídia?

Vem ficando claro que precisamos falar com qualidade e não apenas com quantidade…

Cada mês no ano é dedicado a um tema, que não escolhe mês para ocorrer e que,  na verdade, perturba uma vida inteira, ou várias vidas, se incluirmos as pessoas do entorno do acometido pela doença.

São tantos temas importantes, destinados a uma cor e um mês específico:

  • Janeiro branco- saúde mental;
  • Fevereiro roxo- Alzheimer;
  • Fevereiro laranja- leucemia;
  • Março lilás- câncer do colo do útero;
  • Março azul- marinho- câncer colorretal.
  • Abril azul- transtorno do espectro autista (TEA);
  • Maio amarelo- acidentes de trânsito;
  • Junho vermelho- doação de sangue;
  • Julho amarelo- hepatites virais;
  • Agosto lilás- violência contra a mulher;
  • Agosto dourado- aleitamento;
  • Setembro verde- doação de órgãos;
  • Setembro verde- inclusão de pessoas com deficiência (PCD);
  • Setembro amarelo- suicídio;
  • Setembro vermelho- doenças cardiovasculares;
  • Outubro rosa- o câncer de mama; Novembro azul- câncer de próstata;
  • Dezembro vermelho- infecções sexualmente transmissíveis (ISTs);
  • Dezembro laranja- câncer de pele.

São tantos problemas de saúde para tão poucos meses e cores que estas se repetem. O azul é utilizado em três meses diferentes: março, abril e novembro. E vários meses são sobrepostos por mais de uma cor e uma doença.

O caso mais curioso é o mês de setembro que, além de amarelo para o suicídio, é também verde para a inclusão de PCDs e verde para doação de órgãos, além de vermelho para doença cardiovasculares.

O loteamento do calendário com um número excessivo de cores e doenças tende a dessensibilizar nossa reação a cada campanha e apagar o destaque que cada problema merece.

Apesar das polêmicas coloridas e mensais, o suicídio vive no imaginário coletivo, o que diretores de filmes e séries percebem muito bem, despejando anualmente um sem número de produções o ano inteiro ( e não só em setembro) nas plataformas de streaming.

A curiosidade e especulações sobre o suicídio, sempre presentes no ser humano, também se transformam em mercadoria na medida em que promovem a difusão da produção audiovisual.

As campanhas mês-cor partem do pressuposto que é melhor falar do que calar, e que falando ocorre uma “conscientização”, jogando luz a um tema-tabu como o suicídio. Ocorre que o suicídio já não é tabu há um bom tempo; pelo contrário, virou um assunto fetichizado e investido pela mídia e redes sociais. Mais do que explorar o tema para obter audiência, é importante também qualificar a fala, para evitar a vulgarização, naturalização e comercialização do suicídio.

 

 

AUTOR

Ricardo Biz

Psiquiatra Membro Associado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP), da FEPAL e da International Psychoanalytical Association (IPA) Livros publicados — O amor In verso — Sinto mas Ad versos — Psiquiatria, psicanálise e pensamento simbólico —Internações psiquiátricas (Org) — O que é a morte, papai?
E-mail: contato@psiquiatriajundiai.com.br

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