por Dr. Ricardo de Moura Biz, Médico Psiquiatra e Psicanalista, Membro da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, Colaborador do Centro de Estudos de Saúde Mental Itupeva.
A partir da década de 1960, muitos intelectuais começaram a notar a chegada de uma “cultura de massa”, seja na educação, nas universidades, no entretenimento e nas relações de trabalho. Esse fenômeno cultural ganhou força com a entrada da televisão dentro da casa dos cidadãos. Além disso, o desenvolvimento de técnicas de propaganda, bem como seu potencial difusivo pelos meios de comunicação, como televisão e rádio, também colaborou com o espraiamento de mensagens mais simples, diretas, imperativas e impregnantes, tais como os slogans que tem a função de paralisar o pensamento.
Nessa esteira, o tempo ocioso e o momento de lazer dos cidadãos também se transformou num disputado mercado que começou a ser explorado em larga escala. O comércio de entretenimento promoveu (e ainda promove) uma hipnose coletiva.
Assim, o cidadão produtivo passa o dia numa intensa jornada de trabalho que pouco estimula o pensamento e a reflexão e, ao chegar em casa, novamente é coaptado por sedutoras formas de distração, momento no qual se torna consumidor.
O resultado é que nos últimos 70 anos vem-se promovendo a falta de reflexão.
A “grande máquina” tem interesse em fabricar “autômatos” que são consumidores mais propensos ao ato; são eleitores mais passíveis de manipulação; são trabalhadores mais mansos que reivindicam menos seus direitos; enfim, são sujeitos mais manejáveis pelas formas de poder, que vem convergindo cada vez mais para um mando econômico.
As lutas no campo dos direitos trabalhistas são interessantes de se analisar. Os direitos trabalhistas foram conseguidos a base de combates, protestos, greves, manifestações até os anos de 1970. Na medida em que tais ganhos começam a ser contestados, os movimentos sindicais ganharam força, atingindo seu ápice de atuação na década de 1980, numa tentativa de enfrentamento dos abusos dos empregadores. Já na década de 1990, o sindicalismo já começa a perder o fôlego e a resistência a big machine perdeu força. Nesse ínterim, a precarização e flexibilização do trabalho avançou e, atualmente, se encontra quase sem oposição. Costuma-se pontuar, como marco desta intensificação dos níveis exploratórios, o governo de Michel Temer com suas as políticas liberais.
A cultura de massa – além de seu impacto nas relações de trabalho, que acabamos de comentar– age na esfera do lazer, o que é fácil de se contatar. A avalanche de filmes, ricos em efeitos audiovisuais e pobres de conteúdo, sobretudo nos streamings norte-americanos, deixa-nos assustados após assistirmos a um blockbuster: simplesmente tais filmes não nos deixam resíduos; sem marcas consistentes, esquecemos o enredo, os personagens, geralmente estereótipos de heróis, bandidos, conquistadores, assassinos, psicopatas, mulheres fálicas, personagens depressivos e irritados que “no fundo” têm um bom coração. O entulho americano obstrui a transmissão sináptica.
A cultura de massa tem as seguintes características: reflexão desestimulada; hipnose sensorial; constrangimento ao se contestar ou reivindicar algo; tendência ao consumo (o que favorece a concentração de renda e desigualdade econômica); aplainamento cultural; manipulações eleitorais; perda de direitos trabalhistas; favorecimento do surgimento de líderes carismáticos e autoritários que perpetuam a dominação; exploração dos mais vulneráveis; e exploração de recursos naturais a qualquer custo, mesmos que seja o custo da guerra.
Portanto, a cultura de massa não é tão inofensiva assim. Ela é peça decisiva da grande e perversa engrenagem da desumanização.
AUTOR
Ricardo Biz
Psiquiatra Membro Associado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP), da FEPAL e da International Psychoanalytical Association (IPA) Livros publicados — O amor In verso — Sinto mas Ad versos — Psiquiatria, psicanálise e pensamento simbólico —Internações psiquiátricas (Org) — O que é a morte, papai?
E-mail: contato@psiquiatriajundiai.com.br