A identidade gay

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Publicação original Portal Regional da BVShttps://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/psa-142585

 

Dos primeiros romances homossexuais em língua portuguesa ao filme Moonlight

Ricardo Biz,[1] Jundiaí

Resumo: O autor percorre romances com a temática homossexual para entender como se deu a representação da identidade imaginária do homossexual nos dias de hoje. Para tanto, o autor parte do primeiro romance homossexual publicado em língua portuguesa (O Barão de Lavos, 1891) e do primeiro publicado no Brasil (Bom-Crioulo, 1895), passando pelo conhecido romance no meio psicanalítico com temática homoerótica Morte em Veneza (1912), para chegar até o multipremiado filme Moonlight (2016). O autor destaca que a imagem do homossexual nos romances citados tem base no resgate da concepção de paiderastía da antiga Grécia – em que um adulto (mais culto e de uma classe socioeconômica superior) gozava de um púbere – e o quanto tal resgate contribuiu para a construção de uma imagem patologizada e criminalizada do homossexual nas décadas seguintes, até os anos 1970, quando a construção identitária do homossexual estabeleceu-se nos moldes de uma atração homoerótica mais horizontalizada e despatologizada: indivíduos maduros buscam seus pares nos seus semelhantes, tal como o casal gay de Moonlight.

O primeiro romance homossexual da literatura do Brasil

O romance Bom-Crioulo (1895), de Adolfo Caminha, é uma daquelas joias que, por alguns motivos, não caíram no gosto e não despontaram em fama. Trata-se do primeiro livro com história amorosa homossexual do Brasil. Mas o pioneirismo e o vanguardismo cobraram seu preço: a obra foi muito mal recebida, criticada e atacada na época.

A trama se passa no Rio de Janeiro, no final do século 19, pós- -Abolição dos escravos. Um homem negro, ex-escravo, chamado Amaro vai tentar melhores condições de vida na Marinha, onde ganhara o epíteto de “Bom-Crioulo”, graças a sua solicitude e docilidade. Ele conhece o jovem, belo e branco Aleixo, de 15 anos de idade, com quem viria a ter uma relação homossexual. Depois de se conhecerem num navio, alugam um quarto na Rua da Misericórdia, numa pensão de uma mulher mais velha, chamada D. Carolina. O casal vai se distanciando, seja porque Aleixo vai apresentando dúvidas sobre seu sentimento e também porque Amaro está mais ausente, viajando a trabalho; isso vai deixando o Bom-Crioulo cada vez mais enciumado. Aleixo ainda chega a se envolver sexualmente com D. Carolina.

Amaro abandona-se à aguardente, desequilibrado, arranja confusão e é repetidamente castigado. Lembrando que estamos no período pós-abo- licionista… É transferido para um hospital-prisão, onde mergulha no tédio da recuperação e no abandono. Solitário e frustrado, Amaro fica inquieto ao saber que Aleixo o teria traído com uma mulher. Foge da prisão e, já perto da pensão, encontra Aleixo e mata-o tragicamente a navalhada no meio de uma multidão quase indiferente.[2]

Desde as primeiras descrições são postas pitadas de pimenta na personalidade do ex-escravo: “Porque o Bom-Crioulo de longe em longe sorvia o seu gole de aguardente, chegando mesmo a se chafurdar em bebedeiras que o obrigavam a toda sorte de loucuras” (Caminha, 1895, p. 7).

Adolfo Caminha, sob a influência do realismo-naturalismo, tece belas descrições politicamente incorretas dos personagens, tal como a primeira descrição de Amaro: “Um latagão de negro, muito alto e corpulento, figura colossal de cafre, desafiando, com um formidável sistema de músculos, a morbidez patológica de toda uma geração decadente e enervada” (Caminha, 1895, p. 6).

Diversas são as menções ao personagem, caracterizando-o de modo animalesco: sua “flexibilidade e destreza felinas”; os marinheiros certa vez disseram dele “um animal inteiro é o que ele era!”; “apanharia no castigo como um ‘animal teimoso’”; teria ele “ímpetos de touro”, ou, ainda, seria um “animal com formas de homem” (Valentin, 2013). A zoomorfização e os ímpetos dionisíacos vão, portanto, se esboçando no Bom-Crioulo. Mais à frente no texto, Caminha descreve D. Carolina, proprietária da pensão, insinuando-se para Aleixo: “aparecia-lhe agora como um animal formidável, cheio de sensualidade, como uma vaca do campo extraordinariamente excitada, que se atira ao macho antes que ele prepare o bote…” (Caminha, 1895, p. 36).

Eis o trecho no qual Amaro começa a se aproximar de Aleixo, o personagem idealizado, belo, branco de olhos azuis, em quem identificamos caracteres apolíneos, e com quem, ao longo da narrativa, envolver-se-ia, amorosamente:

Sua amizade ao grumete nascera, de resto, como nascem todas as grandes afeições, inesperadamente, sem precedentes de espécie alguma, no momento fatal em que seus olhos se fitaram pela primeira vez. Esse movimento in- definível que acomete ao mesmo tempo duas naturezas de sexo contrários, determinando o desejo fisiológico da posse mútua, essa atração animal que faz o homem escravo da mulher e que em todas as espécies impulsiona o macho para a fêmea, sentiu-a Bom-Crioulo irresistivelmente ao cruzar a vista pela primeira vez com o grumetezinho … (Caminha, 1895, p. 22)

Bom-Crioulo era impulsionado por dentro, pelos seus desejos, e por fora, pela beleza apolínea do jovem: “desejo de macho torturado pela carnalidade grega” (Caminha, 1895, p. 20).

A postura do narrador onisciente é moralista (Valentin, 2013), o que é percebido em vários trechos, sobretudo nas questões envolvendo a pederastia. A descrição do comportamento de corte de Amaro para com Aleixo, no que culminaria na primeira relação sexual descrita (a primeira da literatura brasileira, quiçá do Novo Mundo), é intensa e exuberante, e vai conduzindo o leitor a uma expectativa crescente, num ambiente cada vez mais íntimo, escuro, privado, sensual, reservado, até um clímax, quando as descrições circunstanciais cessam, e Caminha, numa frase, descreve o ato libidinoso: “E consumou-se o delito contra a natureza” (Caminha, 1895, p. 21).

São várias oposições que se delineiam ao longo do texto: homem- -mulher ou macho-fêmea; negro-branco; Apolo-Dioniso; força-delicadeza; sexo-amor; homo e heterossexualidade; moralidade e amoralidade; establishment e marginal; atividade e passividade.

As relações de Amaro com Aleixo e deste com D. Carolina apresentam um caráter vampiresco, tão comum nas condutas pedofílicas (Schinaia, 2001/2014); assim, a beleza e a juventude de Aleixo são sorvidas, seja pelo negro corpulento, seja pela portuguesa decadente. Ciúmes e loucura atuada dão a tônica à história, que tem um desfecho violento e passional.

Mortes em Veneza… e no Rio de Janeiro

Outro romance com muitos paralelos com Bom-Crioulo é Morte em Veneza (1912), de Thomas Mann, que conta a história do escritor alemão Gustav von Aschenbach, que vai passar férias em Veneza. Lá, apaixona-se platonicamente pelo jovem polonês Tadzio, de 14 anos, e passa os dias a admirá-lo. Aschenbach faz comparativos entre a beleza natural do jovem e a arte da escrita, tão arduamente trabalhada por ele. Outras dialéticas são ainda precipitadas no texto: juventude e velhice; sabedoria e ignorância; saúde e doença etc.

Os finais, igualmente trágicos, com nuances de delírio, quando, após muita idealização dos objetos amados, a trama descamba para a paranoia. O dinamismo envolvendo a paranoia e a homossexualidade foi desmembra- do por Freud sobretudo em “Alguns mecanismos neuróticos no ciúme, na paranoia e no homossexualismo” (1922). No caso Schreber (1911), Freud pontua a tendência à homossexualidade[3] na paranoia, no esforço do paciente em se oferendar a uma causa nobre: conceder filhos para a humanidade, que, em seu delírio, Schreber via como mortificada. O investimento libidinal retroagido ao Eu, promovendo regressão a estágios do autoerotismo e narcisismo, faz com que na paranoia o Eu fique insuflado, o que podemos verificar na megalomania e nas menções de persecutoriedade: sou tão impor- tante, que me vigiam e me perseguem. Freud enfatiza o papel central que o pai exerce na psicopatologia dos paranoicos, que buscam, na estruturação de seus delírios, uma filiação. Schreber tinha uma proximidade espacial com Deus (-pai), seja na “volúpia” sentida quando defecava ou urinava, seja quando suportava olhar de frente para o Sol. Ora, nos dois romances até aqui mencionados há consideráveis desníveis entre o “casal”: idade, cor, cultura, diferenças físicas etc. Tais discrepâncias remeteriam ao abismo ge- racional pai-filho?

Na obra Bom-Crioulo, há uma oposição intensa entre cor de pele e uma oposição mais sutil de idade. Em Morte em Veneza, a discrepância é maior na idade, mas a tonalidade da pele também destoa entre os dois protagonistas: Aschenbach é descrito como um homem “moreno” (Mann, 1912/1979, p. 100) ou “tinha a tez morena”, numa outra tradução do mesmo trecho.

Mesmo no amor entre os seres do mesmo sexo, quanta oposição e diferença são possíveis de se delinear: quanta heterosexualidade dentro da homossexualidade! E o que inicialmente é fator de atração transforma-se em repulsão à medida que se esvai a força da idealização.

Se os elementos apolíneos estão concentrados em Aleixo e os dionisíacos no Bom-Crioulo, em Morte em Veneza, vemos que o campo de batalha dessas duas forças opositoras estão dentro de Aschenbach, que carrega em si tanto o espírito apolíneo por exemplo, a “prosaica consciência profissional” –, como o espírito dionisíaco – por exemplo, os “enigmáticos impulsos fogosos” (Romão, 2013).

As forças contrárias em luta dão origem à tragédia grega, que tanto influenciou nossa cultura ocidental e, em especial, essas obras aqui aborda- das, bastantes ilustrativas dessa dialética. Na arte, na vida e em nossos consultórios, abundam conflitivas entre o sagrado e o profano, entre o sublime e o vulgar, mente e corpo, Apolo e Dioniso. Com a ideia de opostos, Nietzsche fundamenta suas premissas em seu livro O nascimento da tragédia. Vejamos um trecho do livro:

o contínuo desenvolvimento da arte está ligado à duplicidade do apolíneo e do dionisíaco, da mesma maneira como a procriação depende da dualidade dos sexos … os gregos … não, a bem dizer, por meio de conceitos, mas nas figuras penetrantemente claras de seu mundo dos deuses. A seus (dos gregos) dois deuses da arte, Apolo e Dioniso, vincula-se a nossa cognição de que no mundo helênico existe uma enorme contraposição, quanto a origens e objetivos, entre a arte do figurador plástico [Bildner], a apolínea, e a arte não-figurada [unbildlichen] da música, a de Dioniso: ambos os impulsos, tão diversos, caminham lado a lado, na maioria das vezes em discórdia aberta e incitando-se mutuamente … geraram a tragédia ática.

Na verdade, são muitos os elementos clássicos resgatados pela cultura europeia, no final do século 19 e começo do século 20, presentes nos romances que estamos analisando – Bom-Crioulo, Morte em Veneza e O Barão de Lavos (que veremos a seguir). Podemos dizer que a homossexualidade, tal como conhecemos atualmente, foi uma concepção identitária construída ao longo do século 20. Na Grécia antiga, não existia a tradição da homossexualidade, com duas mulheres ou dois homens maduros que se atraem. A ideia, ou pelo menos a tentativa de uma caracterização universal do homossexual, permeou muitos textos até os meados do século 20, apoiadas na concepção do pederasta tal como era na Grécia:

Hoje, a crítica e os métodos da antropologia e da história não deixam dúvidas acerca da demonstração de que não havia homossexualidade na Grécia antiga. Desde pelo menos a década de 1970, a nova história da erótica grega e sua abordagem construcionista e identitária já vem superando a ineficaz e equivocada abordagem essencialista. A forma de relação homoerótica mais bem documentada entre os gregos era a estabelecida pelo vínculo entre um adulto masculino (erastés) e um jovem (erómenos) pertencentes à classe dos cidadãos das aristocracias de virtualmente todas as póleis. Os gregos chama- vam essa relação de paiderastía, que possuía dois aspectos inter-relacionados: o pedagógico e o erótico. (Barbo, 2014, p. 53)

Nesse sentido, a concepção de homossexual exibida no romance Bom-Crioulo está condizente com o contexto histórico no qual foi criado; como dissemos, é uma tentativa de caracterização geral do homossexual masculino. Obviamente, os valores retomados da antiguidade clássica foram recebidos com resistência, sendo considerados degenerescências, imoralida- des e até pedofilia. Não demorou para essa resistência ganhar corpo e se configurar como doença e também como crime em muitos países.

A hipótese de que a homossexualidade moderna é uma construção identitária encontra-se em Jurandir F. Costa (1992), em seu livro A inocência e o vício: estudos sobre o homoerotismo. A força dessa hipótese é dada tanto pela crença daqueles que consideram as práticas homoeróticas como vício, desvio e perversão, quanto as daqueles que defendem a sua inocência, pres- supondo que existe uma essência homossexual. Jurandir sustenta que nem os que condenam nem os essencialistas têm consistência científica, histórica e antropológica em seus argumentos, e a concepção da homossexualidade moderna parece mesmo ser construída:

a ideia de uma “homossexualidade” trans-histórica e “natural” não é defensável, salvo quando falamos do interior da crença que a torna razoável. Essa crença, no entanto, é uma crença culturalmente arbitrária, opcional, e não “científica” ou “racional”. (Costa, 1992, p. 12)

Patologização da homossexualidade

Caminha refere-se à homossexualidade como “anomalia”, “comércio grosseiro entre individuos do mesmo sexo”, “castigo” e “delito contra a natureza”. Vale comentar que os termos “homossexual”, “homossexualismo” ou “homossexualidade” não aparecem nenhuma vez em Bom-Crioulo, o que demonstra um tom de julgamento moral.

Outro aspecto sutil são as decrições em estilo gótico, repletas de obscuridade, das cenas eróticas gays, enquanto na cena de sexo de Aleixo com a dona da pensão D. Carolina a luminosidade é ofuscante, típica do naturalismo que expõe os comportamentos à fria cientificidade do final do século 19: “ela, sacando fora a camisa ensopada de suor, caiu nua no leito, arquejante, segurando os seios moles” (Caminha, 1895, p. 36).

Como pode ser doença a homossexualidade se Bom-Crioulo é pintado em todo o romance como forte, resistente, cordato e amigável? Aqui temos mais uma oposição na obra: saúde x doença. Essa dialética não era exclusivamente individual, mas representava as contradições do furor de entendi- mento, do século 19 e início do século 20, que se propôs a estudar os desvios sexuais. Um linguajar técnico encapava o pedantismo com jaleco: ora, um médico não podia ser criticado por estudar uma doença.

Caminha pertencia a um grupo de intelectuais, em Fortaleza, denominados “O pão da Padaria Espiritual”, que recebeu uma cópia do romance O Barão de Lavos (1891), de Abel Botelho, o primeiro romance a abordar abertamente o homossexualismo da história da língua portuguesa. Esse livro, que aborda a “pederastia” (termo usado na época), faz parte de uma pentalogia de romances denominada estudos da “patologia social”. Ou seja, a atração entre dois homens é vista abertamente como doença. É bem provável que Caminha tenha lido esse romance e se entusiasmado pelo tema.

O Barão de Lavos conta a vida de Sebastião Pires de Castro e Noronha, o barão, que tinha 32 anos, mas, pelo seu desgaste, “dir-se-ia ao vê-lo que orçava já pelos quarenta”. O barão se atrai por Eugênio, um efebo pobre, recém-chegado a Lisboa. Também aqui observamos uma considerável diferença de idade entre o casal homossexual, assim como pontuamos em Bom-Crioulo e mais ainda em Morte em Veneza.

Após se envolver com o rapaz e por ele ser extorquido, ocorre a decrepitude física e moral do barão, que termina com sífilis: “Filia-se nas tendências aberrativas da espécie humana a sodomia; é um fator moral da sua degenerescência, como são fatores físicos a sífilis, a lepra e o espartilho”. Interessante, nessa citação, “a sodomia” lado a lado com as doenças médicas, o que evidencia a apropriação que a ciência fez da homossexualidade, tachando-a como doença.

Antes desse período abordado, a homossexualidade, mais do que doença, chegou a ser considerada crime. Em Portugal (e, por extensão, no Brasil e nas colônias portuguesas), a homosexualidade era criminalizada desde 1555. Em 1830, o Código Criminal do Império, outorgado por Dom Pedro I, foi precoce ao descriminalizar a homossexualidade, após se alastra- rem as ideias libertárias iluministas da Revolução Francesa. O país gálico foi o pioneiro na descriminalização da homossexualidade em 1791.

Na mesma esteira iluminista, o cientificismo tomou a homossexualidade como objeto de estudo, partindo da premissa de que era um desvio da normalidade. Com relação à patologização da homossexualidade, em 1832, o inglês Alexander Morrison publica Physiognomy of mental disease, onde estampa rostos de pacientes com “características homossexuais” (Palollielo, 2020). Na Alemanha, onde E. Kleplim puplicou seu Tratado de psiquiatria, a homossexualidade também era vista como problema mental.

Ou seja, a homossexualidade era vista como doença psiquiátrica em livros, artigos, palestras de muitos médicos e cientistas. O carimbo “oficial” de doença, porém, foi decretado com a implantação dos códigos para doenças de importantes instituições de saúde.

O Diagnostic and statistical manual of mental disorders (dsm-i), redigido pela Associação Psicanalítica Americana (apa), em 1952, classificava a homossexualidade como doença, na seção de “desvios sexuais”, na categoria de “perturbações sociopáticas de personalidade”. Em 1973, a apa suprimiu a homossexualidade das categorias de doenças mentais, apesar de permanecer a categoria de “homossexualidade egodistônica”, retirada em 1987, no dsm-iii-r.

A Organização Mundial da Saúde (oms), a partir de 1948, inseriu a homossexualidade na sexta revisão do seu Código Internacional de Doenças (cid), na categoria de “personalidade patológica”. Conforme as edições do cid foram mudando, as denominações também se alteraram; somente em sua décima revisão (cid-10), publicada em 1992, o diagnóstico de homossexualidade foi retirado.

Houve, portanto, uma despatologização gradual a partir da década de 1970.

Considerar a homossexualidade como doença implica implementar terapêuticas contra tal disfunção. Dessa forma, inúmeras terapias de rever- são contra a homossexualidade surgiram, tendo como bases metodológicas psicoterapias do consciente, psicanálise, terapias químicas, hormonais e reforço negativo (aversão). Como ilustração, menciono um caso publicado por Basil James (1962), tratado “com sucesso” pela terapia de aversão: “o paciente” era confinado num quarto escuro e recebia, a cada 2 horas, doses de apomorfina (medicamento causador de ânsia) e era exposto, em cada momento em que as náuseas se intensificavam, a fotos e imagens de homens nus ou semi-nus e era-lhe enfatizado, pelo terapeuta, que sua homossexualidade era adquirida (“His fantasy was reinforced verbally by the therapist on the first two or three occasions … first homosexual experiences, a learned pattern thus being established”). Após 30 horas, o tratamento – que mais parece uma tortura – foi interropido devido a cetonúria, um indicativo de hipoglicemia severa. Após 24 horas, o tratamento foi retomado e se estendeu por mais 32 horas, quando novamente foi interrompido por cetonúria. Após esse período de “tratamento”, fotos de mulheres nuas foram pregadas em seu quarto (“photographs of sexually attractive young women”) e injeções de testosterona foram aplicadas ao paciente. Os resultados da terapia de aversão foi um happy end total: ocorreu a cura completa da homossexualidade, o paciente só sentia atração pelo sexo oposto, arrumou uma namorada, tinha “strong erections” e muitas ejaculações. O tratamento foi tão eficaz, que conseguiu até modificar as fantasias do paciente: “sexual fantasy is entirely heterosexual”.

Repulsa ao gay

Esse cenário histórico de patologização e, por vezes, até de criminalização força-nos a questionar de onde vem tanta aversão pela homossexualidade, sobretudo a masculina?

Para responder a essa pergunta, juntemos algumas pistas detectadas no discurso de pessoas que repudiam a homossexualidade: 1) a referência ao sexo anal; 2) argumentos antinatureza, pelo fato de o ânus não ser biologicamente um órgão sexual.

O conceito de recalcamento orgânico proposto por Freud pode nos ajudar no entendimento da estigmatizaçao da homossexualidade masculina. O recalcamento orgânico seria o marco zero da constituição da espécie humana, diferenciando-a da vida instintiva de outros mamíferos superiores, pautada especialmente por estímulos olfativos. Estamos acostumados ao termo “recalcamento originário” – a primeira de três fases do recalque –, mas haveria uma fase ainda anterior, quando começamos a assumir a posição ereta e o sentido do olfato foi regredindo (ou foi sendo recalcado) à medida que o sentido visual foi ganhando terreno.
Em decorrência da posição vertical assumida e do consequente distanciamento dos órgãos sexuais do nível do nariz, ocorreu o espalhamento da sexualidade por todo o corpo, aspecto exclusivo da espécie humana.

Além disso, períodos de extrema excitação sexual, concomitantes a períodos propícios à fecundação, foram se extinguindo, favorecendo uma excitação de base contínua,[4] atrelada ao visual,[5] independentemente de ciclos de cio. O corpo humano desenvolveu-se em função de ser visto:

a) quando desaparecem ou diminuem os pelos;
b) alargam-se os ombros dos homens e as ancas das mulheres, quando maduros sexualmente;
c) ao evidenciarem-se as mamas – outras espécies de primatas fornecem abundante quantidade de leite aos descendentes e não têm grandes mamas, nem estas são marcadamente hemisféricas;
d) ao exporem-se partes da mucosa, como a dos lábios;
e) e ao desenvolver-se a musculatura facial para amplificar a mímica (Morris, 1967/1975).

Nossa espécie evoluiu desenvolvendo aversão aos resíduos orgânicos, excrementos e menstruação, surgindo estratégias variadas de desodorização de nossos cheiros naturais: desodorantes, perfumes, desodorizadores de ambiente, produtos de limpeza com forte cheiro, tudo para camuflar nossos odores! Morris (1967/1975) chega a comentar que certos mamíferos defecam a uma grande distância de seu refúgio habitual, e os dejetos são cuidadosamente enterrados, tal como fazem os gatos. Tal comportamento seria um recalcamento orgânico incipiente?

O nojo e a repugnância das fezes estão deslocados, por continuidade, para o ânus, e este, por deslizamento metonímico, para o homossexual, que o usa como órgão sexual. Dessa forma, o homossexual masculino pode representar um retorno daquilo que longamente se tentou recalcar.

Essa pecha recai sobre o homossexual, mais pesadamente sobre o masculino, embora nem todos os homossexuais pratiquem sexo anal[6] – estima-se que dois terços deles o pratiquem –, e um terço dos heterossexuais praticou ou pratica relações anais (Habel et al., 2018). O homossexual representaria, pois, o retorno do recalcado, que, ao emergir das profundezas do inconsciente, encontra muita resistência, é negado, desqualificado, atacado e minimizado. É a parte ignorada de nós mesmos, o unheimlich, que nem sempre queremos reconhecer.

Essa é uma hipótese fundamentada no estudo psicanalítico, mas claramente incompleta, pois há variantes de práticas homossexuais que escapam desse entendimento. Devemos ainda levar em consideração o con- texto sociopolítico e religioso a ser recortado, pois a aceitação da homos- sexualidade varia de acordo como o momento histórico, com a localidade e a cultura vigente. Em nosso tempo, os valores judaico-cristãos condenam a sexualidade, com um discurso dominante fundado em bases binárias de normalidade, de acordo com a qual a homossexualidade é contra a natureza, já que escapa de uma ideia de purificação do sexo, quando voltado para a procriação.

 

Marcos e marcas… históricos da homossexualidade[7]

A repercussão do romance Bom-Crioulo não foi nada amistosa na época, e durante muito tempo a obra ficou esquecida. Em 1995, ano de seu centenário e sob influência de nova onda de reivindicações dos direitos gays, o livro foi “redescoberto”, fazendo parte, até mesmo, de listas de livros exigidos no vestibular de algumas faculdades. A crítica sobre O Barão de Lavos foi um pouco mais branda, talvez porque Abel Botelho já fosse um escritor mais conhecido.

Em 2016, após 121 anos do lançamento de Bom-Crioulo, quando os olhos já se despregaram das páginas dos livros impressos e agora são capturados pelo espetáculo sensorial dos cinemas, o filme Moonlight resgatou o tema da homossexualidade entre negros. Deu certo dessa vez. O filme foi bem recebido pela crítica e ganhou os Oscars de Melhor Filme, Melhor Ator Coadjuvante e Melhor Roteiro Adaptado. Novamente um negro forte fisicamente revela sua “fragilidade”, na intimidade de uma relação homos- sexual, momento de clímax, final do filme que marca a aceitação da própria homossexualidade. No filme há ainda outros condimentos na vida do protagonista negro e homossexual, como negligência, marginalidade, violência, criminalidade, que nos remetem a um contexto de desvio da normalidade, de traumas perturbadores do desenvolvimento, ou até de “doença”, no sentido de perda da homeostase. Nesse sentido, a homossexualidade está mais uma vez localizada no rol das disfunções, da negritude e de consequências anormais do saudável. Por qual motivo esse discurso agora colou, sendo até mesmo premiado? Por ganhos do movimento antirracista e a luta contra o preconceito voltado aos homossexuais, gerando uma inclinação genuína do interesse para esses temas? Ou ainda é fomentada a contemplação do “anormal”[8] – figurada nesse caso pela união de três categorias, negro, homossexual e marginal, distantes da branca burguesia?

O diretor do filme, Barry Jenkins, talvez também pelo fato de ser negro e assim conseguir captar com mais afinco as questões raciais contemporâneas sedimentadas com um lastro no passado, já vinha (e vem) mostrando sensibilidade na forma de abordar temas caros relativos à igualdade e à inclusão. Dessa vez, portanto, o retratar da homossexualidade foi mais humanizado, mostrando as dificuldades do protagonista Chiron de enquadrar-se num meio hostil e heteronormativo. Chiron conhece o chefe do tráfico local, que lhe oferece proteção (tal como Bom-Crioulo protegeu Aleixo) e lhe serve de modelo identificatório. Tal modelo foi incorporado por Chiron, que também virou um traficante de feição confiante e corpo musculoso.

Chiron adulto é retratado como alguém retraído, calado, solitário e enclausurado num tipo esculpido pela halterofilia. Sua sexualidade é abafada e inibida pelo entorno, até o fim do filme, quando consegue se abrir para Kevin, amigo de infância e seu primeiro e único parceiro sexual. Mas o que importa destacar aqui é a estética do par homossexual apresentada, mostrando semelhança no casal, sem as discrepâncias hierárquicas típicas da pederastia da antiga Grécia e dos romances aqui analisados.
A imagem, portanto, veiculada do homossexual em Moonlight é de alguém atraído por seu semelhante, numa horizontalidade do casal. Essa concepção de homossexualidade, como já mencionamos, é condizente com as tendências vigentes na atualidade de enxergar o par homoafetivo mais homogêneo e despatologizado. O casal gay de Moonlight tem idade próxima, condição socioeconômica parecida, flertes com a criminalidade, os dois são negros, têm a mesma altura, ambos são atléticos. Assim, o filme retrata um amor homo, na literalidade do prefixo. Muito provavelmente esse mesmo filme, num outro momento histórico, seria ignorado ou desaprovado. Diferentemente disso, conforme o que temos tentado enfatizar neste trabalho, Moonlight traz a correspondência entre a expressão artística e a representação social do gay, numa época específica, expressão esta realizada a contento por artistas perspicazes.
O fato de a sexualidade concentrar-se em corpos negros masculinos, tradicionalmente marcados pela fantasia da potência, disposição e tamanho avantajado do pênis, pode ter ativado, no espectador, um elemento voyerista. Desta maneira, a curiosidade aguçada pelo imaginário – muitas vezes inconsciente, com profundas raízes no passado, na cultura e nas tradições, inclusive a escravocrata – remete sutilmente à animalidade, seja pela desenvoltura, destreza, resistência, crueza e força, como vimos nos trechos que apontamos em Bom-Crioulo. Ora, o sexo animal, desprovido de qualquer recalque, guarda correspondência com um prazer mais livre, solto, selvagem e intenso.

Considerações finais

No século 19 e início do século 20, buscava-se uma racionalidade para entender a atração entre dois seres do mesmo sexo. Esmerava-se por instituir uma diferença – seja na idade, cor, classe social, nível cultural, dionisíaco-apolínico, alguma complementaridade, ainda que doentia e criminosa – que explicasse tal atração antinatural. Daí a retomada da concepção de paiderastía da Grécia antiga. Concepção essa que deu suporte para a construção de uma representação social gay patologizada e marginal, que perdurou até meados da década de 1970, quando a atuação dos movimentos da causa gay forçaram mudanças da percepção do gay na sociedade.

Passados 130 anos do lançamento dos livros que analisamos, o casal homossexual, que habita as representações sociais, passou de um regime de escolha de objeto discrepante, com importantes diferenças entre os integrantes do casal, para um par gay moderno, saudável e legalizado, constituído numa horizontalidade identificatória, tal como mostrado no filme Moonlight. Cabe-nos perguntar, então, de onde advém tal horizontalidade identificatória:

a. Seria um ganho decorrente da luta[9] dos gays por direitos, reconhecimento, igualdade, culminando na descriminalização e despatologização? Sair da clandestinidade e da ilegalidade permitiu que aflorasse um desejo “mais narcísico” de buscar um “companheiro” semelhante a si mesmo?

b. Ou tal horizontalidade identificatória seria mais bem explicada pelas tendências da atualidade – de cultura do narcisismo, que, embora tenha sido descrita em 1979 por Lasch, e muito se acrescentou nesse tema depois disso,[10] sem dúvida, ainda ecoa em nosso tempo uma cultura narcísica – que favorecem a constituição de sujeitos narcísicos, num erotismo especular?

c. O declínio paulatino do patriarcado, das instituições e das verticalizações hierárquicas – desde a época da Revolução Francesa, com seus ideais de liberdade, fraternidade e igualdade –trouxe subsídios para a construção, no imaginário coletivo, expresso na arte, de um parceiro “igual a mim”? Nesse sentido, o casal do filme Moonlight pode ser interpretado como um sintoma figurativo de uma família contemporânea, mais horizontalizada, pelo declínio do Pai?

d. Toda a luta dos movimentos da causa gay, desde a década de 1960, e posteriormente com a segmentação nos lgbtqia+, por igualdade influencia o imaginário, a ponto de consubstanciar num casal alegórico de “iguais” o próprio ideal de igualdade, fazendo-se de semblante para as legítimas reivindicações de tais grupos?

Tais perguntas servem menos para serem respondidas e mais para direcionar novas investigações no que se refere às marcas do contexto histórico nas manifestações artísticas.

Mas, em que pesem as influências sociais e políticas de uma época no construtivismo identitário, há uma dimensão mítica e atemporal no protagonista de Moonlight.

Chiron, como os heróis míticos, faz um ciclo oroborótico. Enfrenta uma jornada de autolegitimação em cujo final encontra a si mesmo no seu alterego (Kevin).

Desde O banquete de Platão, na célebre declaração de amor de Alcibíades para Sócrates, sabemos que amamos o que nos falta.

Narciso, ao contemplar sua imagem, tenta fazer suplência com o imaginário para sua falta, embriagando-se com o próprio orgulho e autossuficiência. Sabemos, porém, que toda defesa do ego é falha, e o sujeito entrevê, mais cedo ou mais tarde, por flashes, seu vazio, elemento constitutivo do humano.

Melancólico, enlutado por uma perda (ou falta de um ganho espera- do) na infância, Chiron, vagando solitário, busca em si mesmo algo que lhe possa dar certa completude contingente.

La identidad gay: desde las primeras novelas homosexuales en portugués hasta la película Moonlight

Resumen: El autor recorre novelas con la temática homosexual para comprender cómo se dio la representación de la identidad imaginaria del homosexual en la actualidad. Para tanto, el autor parte de la primera novela homosexual publicada en portugués (El Barón de Lavos, 1891) y la primera en Brasil (Bom-Crioulo, 1895), pasando por una conocida novela, en el campo psicoanalítico, de temática homoerótica (Muerte en Venecia, 1912), para llegar a la premiada película Moonlight (2016). El autor destaca que la imagen del homosexual en las novelas mencionadas se basa en el rescate del concepto de paiderastía de la antigua Grecia – donde un adulto (más culto y de una clase socioeconómica superior) gozaba de un pubescente – y cuánto tal rescate contribuyó para la construcción de una imagen patologizada y criminalizada del homosexual en las siguientes décadas, hasta la década de 1970, cuando la construcción identitaria del homosexual se estableció en los moldes de una atracción homoerótica más horizontalizada y despatologizada: los individuos maduros buscan a sus pares en sus semejantes, como la pareja gay de Moonlight.

 

The gay identity: from the first homosexual romances in Portuguese lan- guage to the movie Moonlight

Abstract: The author goes through novels with the homosexual theme to understand how the representation of the imaginary identity of the homosexual took place nowadays. To do so, the author starts from the first homosexual novel published in Portuguese (The Baron of Lavos, 1891) and from the first in Brazil (Bom-Crioulo, 1895), passing through the well- known novel in the psychoanalytical circle with a homoerotic theme (Death in Venice, 1912), to get to the award-winning movie Moonlight (2016). The author emphasizes that the image of the homosexual in these novels is based on the rescue of the concept of paiderastía from ancient Greece – where an adult (more educated and from a higher socio-economic class) enjoyed from a pubescent – and how much such rescue contributed to the construction of a pathologized and criminalized image of the homosexual in the following decades, until the 1970s, when the identity construction of the homosexual was established in the molds of a more horizontalized homoerotic attraction and depathologized: mature individuals seek their peers in their similars, such as a gay couple of Moonlight

L’identité gay : des premières romans homosexuelles en portugais au film Moonlight

Résumé : L’auteur parcourt des romans ayant pour thème l’homosexualité pour comprendre comment la représentation de l’identité imaginaire de l’homosexuel s’est déroulée de nos jours. Pour ce faire, l’auteur part du premier roman homosexuel publié en portugais (O Barão de Lavos, 1891) et du premier au Brésil (Bom-Crioulo, 1895), en passant par le roman bien connu dans le domaine psychanalytique avec un thème homoérotique (Mort à Venise, 1912), pour accéder au film primé Moonlight (2016). L’auteur souligne que l’image de l’homosexuel dans les romans mentionnés est basée sur le sauvetage du concept de paiderastía de la Grèce antique – où un adulte (plus cultivé et d’une classe socio-économique supérieure) jouissait de un pubescent – et à quel point un tel sauvetage contribué à la construction d’une image pathologisée et criminalisée de l’homosexuel dans les décennies suivantes, jusqu’aux années 1970, quand la construction identitaire de l’homosexuel s’est établie dans les moules d’une attirance homoérotique plus horizontalisée et dépathologisé: des individus matures recherchent leurs pairs dans leurs semblables, comme le couple gay de Moonlight.

[1] Psiquiatra e membro associado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (sbpsp). Autor de diversos livros.

[2] Aqui lembramos uma descrição em “Homem dos ratos”, na qual Freud (1911/2013) men- ciona a ambiguidade dos afetos: “Mais estranho nos parece o outro conflito, aquele entre amor e ódio. Sabemos que a paixão incipiente é, não raro, percebida como ódio, e que o amor ao qual é negada satisfação torna-se facilmente ódio, em parte, e os poetas nos dizem que em estágios tempestuosos da paixão os dois sentimentos contrários podem existir lado a lado por algum tempo, como que competindo”.

[3] Essa tendência à homossexualidade na paranoia apontada por Freud, Lacan chamou de “empuxo à mulher”, o que parece ser mais preciso.

[4]  “A própria definição que Freud forneceu da energia libidinal, da força, Drang, da pulsão, como uma konstante Kraft, força constante, remete a essa contínua pressão interna inerente aos processos pulsionais ou, como formula Lacan, a essa ‘tensão estacionária’” (Jorge, 2020, p. 146).
[5]  “Terá a nossa postura vertical influenciado os nossos atrativos sexuais? Nesse aspecto, a resposta parece certamente positiva” (Morris, 1967/1975, p. 52).

[6] Essa é uma evidência instigante: podemos constatar a valorização do sexo anal na maioria dos filmes pornôs héteros, bem como nas fantasias sexuais de muitos homens héteros, que exploram essa modalidade e a põem como a cereja do bolo, o gran finale da relação. Como é possível, então, o sexo anal ser tão louvado entre os homens héteros e, ao mesmo tempo, tão repudiado quando o casal é homossexual masculino?

[7]  O termo “homossexualismo” vem sendo evitado, pois expressões com o sufixo -ismo, sobretudo no plural, são usadas num contexto pejorativo, relativo a doença ou como ideo- logia enviesada, por exemplo, proibicionismo, alcoolismo, fascismo etc. Jurandir F. Costa, em seus textos e entrevistas, desaconselha ainda o termo “homossexualidade”, preferindo “homoerotismo”.
[8]  Kafka alegoriza a tendência humana de contemplar o bizarro em seu conto “Um artista da fome”, que descreve um performer circense que atraía a atenção com sua magreza e jejum prolongado.

[9]  “Luta” é um termo adequado por conta de que, nas construções de identidades, ocorre um verdadeiro jogo de poder, com estratégias para fugir da dominação, exploração, exclusão, invasão e desprezo.
[10]  Remetemos o leitor interessado, por exemplo, a Dufour (2013) e Lebrun (2008), que apontam para tendências liberalizantes sociais que favorecem a denegação (e, portanto, a perversão); poderíamos ainda considerar tendências mais de feitio psicótico sugeridas por Melman (2003).

Referências

Barbo, D. (2014). Homossexualidade e paiderastía em Thomas Mann. Calíope: Presença Clássica, 2, ano 31, n. 28, 48-66.

Botelho, A. (1891). O Barão de Lavos (dom. públ.). Disponível em: https://www. agr-tc.pt/bibliotecadigital/aetc/index.php?page=13&id=162&db=. Acesso em: 24 dez. 2021.

Caminha, A. (1895). Bom-Crioulo. [S.l.] Fundação Biblioteca Nacional. Disponível em: http://objdigital.bn.br/Acervo_Digital/livros_eletronicos/bom_crioulo2.pdf. Acesso em: 7 out. 2012.

Costa, J. F. (1992). A inocência e o vício: estudos sobre o homoerotismo. Relume-Dumará.

Dufour, D.-R. (2013). A cidade perversa: liberalismo e pornografia. Civilização Brasileira.

Freud, S. (2013). Observações sobre um caso de neurose obsessiva [“O homem dos ratos”] e outros textos. In S. Freud, Obras completas (P. C. de Souza, Trad., Vol. 9). Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1909-1910)

Habel, M. A., Leichliter, J. S., Dittus, P. J., Spicknall, I. H. & Aral, S. O. (2018). Heterosexual anal and oral sex in adolescents and adults in the United States, 2011-2015. Sexually Transmitted Diseases, 45(12), 775-782. Disponível em: https://doi.org/10.1097/ OLQ.0000000000000889. Acesso em: 23 jan. 2023.

James, B. (1962). Case of homosexuality treated by aversion therapy. British Medical Journal, 1(5280), 768-770. Disponível em: https://doi.org/10.1136/ bmj.1.5280.768 Acesso em: 23 jan. 2023.

Jenkins, B. (dir.). (2016). Moonlight: sob a luz do luar (A. Romanski, D. Gardner, J. Kleiner, Prods., 110 min.), son., color. Netflix (distr.).

Jorge, M. A. C. (2020). De Freud a Lacan: do objeto perdido ao objeto a. In A. Quinet & M. A. C. Jorge, As homossexualidades na psicanálise: na história da sua despatologização (pp. 142-153). Atos e Divãs.

Lasch, C. (1984). A cultura do narcisismo. Imago. (Trabalho original publicado em 1979)

Lebrun, J.-P. (2008). A perversão comum: viver juntos sem outro. Campo Matêmico. Mann, T. (1979). Morte em Veneza. Abril Cultural. (Trabalho original publicado em 1912).

Melman, C. (2003). O homem sem gravidade: gozar a qualquer preço. Companhia de Freud.

Morris, D. (1975). O macaco nu. Círculo do livro. (Trabalho original publicado em 1967)

Nietzsche, F. W. (1992). O nascimento da tragédia, ou Helenismo e pessimismo. Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1872)

Palollielo, G. (2020). A despatologização da homossexualidade. In A. Quinet & M. A. C. Jorge, As homossexualidades na psicanálise: na história da sua despatologização (pp. 33-50). Atos e Divãs.

Romão, T. L. C. (2013). Traduções brasileiras de Morte em Veneza, de Thomas Mann: tentativas de manter o ideal estético original. In M.-H. C. Torres, L. F. de Freitas & J. C. N. Monteiro (Orgs.) Clássicos em tradução, rotas e percursos. Copiart/ PGET-UFSC.

Schinaia, C. (2014). Pedofilia pedofilias: a psicanálise e o mundo do pedófilo. Edusp. (Trabalho original publicado em 2001)

Valentin, L. H. A. (2013). A recepção crítica e a representação da homossexualidade
no romance Bom-Crioulo, de Adolfo Caminha. Mafuá, ano 11, n. 20, outubro. Disponível em: https://mafua.ufsc.br/2013/a-recepcao-critica-e-a-representacao-da- homossexualidade-no-romance-bom-crioulo-de-adolfo-caminha/. Acesso em: 23 jan. 2023.

 

AUTOR

Ricardo Biz

Psiquiatra Membro Associado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP), da FEPAL e da International Psychoanalytical Association (IPA) Livros publicados — O amor In verso — Sinto mas Ad versos — Psiquiatria, psicanálise e pensamento simbólico —Internações psiquiátricas (Org) — O que é a morte, papai?
E-mail: contato@psiquiatriajundiai.com.br

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