Zona de interesse

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No filme Zona de interesse (2023), o comandante de Auschwitz Rudolf Höss, sua esposa e filhos vivem confortavelmente numa bela casa, com um idílico jardim, vizinha de muro do campo de extermínio de Auschwitz. Um conflito se instala no meio do filme quando o comandante é convocado para uma transferência para outra cidade, e sua esposa recusa-se a sair da casa.

 

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O longa-metragem Zona de interesse é escrito e dirigido por Jonathan Glazer. Venceu o prêmio do júri na última edição do Festival de Cannes. Foi indicado a cinco categorias do Oscar 2024, incluindo Melhor Direção e Melhor Filme. Venceu na categoria Melhor Filme Estrangeiro.

O título Zona de interesse faz referência ao perímetro de 40km, que tinha esse nome, e foi evacuado no entorno do campo de Auschwitz. Desalojaram  os moradores locais para não haver testemunhas e para permitir o isolamento e a incomunicabilidade dos prisioneiros.

O filme, portanto, retrata a dissociação entre a vida ordinária da família Höss em sua sonhada casa e o horror do extermínio de judeus ao lado. Os sintomas do mal estar vão se manifestando entre os familiares, sobretudo, pelo não verbal: a criança que brinca de soldados armados, outro menino que brinca com dentes ( de ouro) de exterminados; a menina insone; a esposa do comandante que recebe roupas de judias; o próprio comandante também “brinca” com mulheres locais.

Uso o termo “brincar” para enfatizar a dimensão do prazer presente nas relações de abuso e exploração.

No que se refere a concessão de direitos, quem era judeu e estava dentro dos muros de Auschwitz era desprovido de qualquer direito ou desejo, ao passo que quem era ariano detinha todos os direitos, inclusive o direito de ceifar a vida do prisioneiro.

No filme, a pouco feminina esposa do comandante também brinca com o batom vermelho vivo que encontrou no bolso do casaco de pele que recebeu de uma prisioneira.

Após a transferência do comandante, sua esposa permaneceu enviscada na casa bucólica, não queria deixá-la mesmo seu marido tendo sido transferido. A casa, vizinha do campo de extermínio, continha as empregadas para ela distratar, o cheiro da incineração dos corpos, ali “a rainha de Auschwitz” estava numa posição de regozijo de poder., ali “A felicidade na terra estava no dorso de um cavalo”, frase que aparece no estábulo do comandante, que gostava de cavalos, e que dá a receita: a felicidade está localizada numa posição de dominação.

Ingenuidade achar que somente as belezas naturais é que a fixavam àquela casa.

Quando Rudolf Höss é transferido, ele diz à família, durante uma refeição: “Pela vida que temos, vale muito a pena o sacrifício”.

Quem se sacrifica? Por que se sacrifica?

Os nazistas também não podiam parar de sacrificar, pois sem isso o ideal ariano se apagaria…

Como compreender as motivações de Hitler, no decorrer da segunda guerra?

Em determinado momento, a Alemanha exauria seu poderio militar em duas frentes de batalhas ( a leste contra a Rússia, e a oeste contra os Aliados) e mesmo assim dispendia grande quantidade de energia para a “solução final” dos judeus.

Então se questionou quais os objetivos de uma guerra: seria ganho de poder geopolítico internacional? Ou seria uma empreitada acéfala mobilizada por impulsos destrutivos. O final da guerra foi agonizante para os alemães, pois cerca de um ano e meio antes do fim da segunda guerra já era dada como certa a derrota dos alemães e mesmo assim mantiveram uma postura kamikaze.

Isso reforça a hipótese de uma destrutividade sem objetivos. Além disso, o incentivo contra a rendição, num impeto de lutar até a morte,  como performou o próprio Hitler com seu suicídio, favorece  a interpretação que os alemães caíram atirando.

Portanto,  o extermínio dos judeus certamente não pode ser compreendido apenas por uma lógica utilitarista, cuja positividade seria ganhos de poder, espoliação econômica e de suas mãos de obra.

 

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A matança de judeus foi consequência de uma perseguição, cujo utilitarismo foi inventado: os arianos se lançaram contra um inimigo que necessariamente precisava ser fabricado para sustentar o totalitarismo da Alemanha.

 

Referências

Amis, M. (2015). A zona de interesse. Companhia das Letras.

 

Autor: Dr Ricardo Biz, médico psiquiatra e psicanalista. Membro do Conselho Consultivo do CESMI

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