Vale dizer, de início, que as Belas-Artes despertam viva curiosidade no âmbito da psicologia e da psiquiatria, dada a proximidade aparente entre o talento de grandes gênios, a loucura e o crime, no extenso período que vai de Caravaggio, na Renascença, a Van Gogh, no século XIX.
No entanto, até mesmo considerando que a genialidade é condição excepcional, ultrapassando os limites relativos da normalidade, é forçoso reconhecer que talento, loucura e crime não se associam, necessariamente.
A correlação entre essas ocorrências envolve generalizações excessivas, a partir das legendas que envolvem nomes famosos, mas não é a regra.
Não há dúvida quanto ao fato de que alguns doentes mentais possuam talento artístico genial, e que certas características que propendem à criminalidade sejam encontradas em personagens históricas, como a impulsividade, o uso de substâncias psicoativas, como o álcool e, mais recentemente, os alucinógenos.
Um caso notável, no Brasil, foi o de Arthur Bispo do Rosário (1909-1989) que, em sua prolongada existência asilar, na Colônia Juliano Moreira, RJ, produziu obras valiosas no século passado, não obstante ser portador de psicose grave.
A importância crescente que se atribui ao exercício das Belas-Artes nas práticas de reabilitação psiquiátrica justifica-se, a partir do pioneirismo de Osório Cesar (1895-1979), com o “Laboratório de Pesquisas Plásticas”, em 1923. Seus estudos e observações, realizados durante seis anos são publicados na obra “A expressão artística nos alienados: contribuição para o estudo dos símbolos na arte” (1929), que mereceu aprovação elogiosa de Sigmund Freud, em carta mantida no extinto Hospital do Juqueri, em Franco da Rocha, SP.
A sua “Escola Livre de Artes” obteve resultados importantes e, apesar de revitalizada nos anos 80, infelizmente restou desvalorizada nas últimas décadas. Beneficiou centenas de pessoas e, inclusive, revelou talentos especiais.
Vale, da mesma forma, ressaltar o papel de Nise da Silveira (1905-1999), no Rio de Janeiro, pela ênfase dada ao método da arte como recurso terapêutico. E é sobre isso que se pretende discorrer, neste artigo.
Tais práticas importam menos à descoberta de talentos e muito mais pelo valor que assumem, tanto no estímulo à expressão do sofrimento subjetivo como na extensão dos contatos com a objetividade, um passo fundamental para a recuperação de doenças que conduzem ao isolamento interpessoal e à exclusão social.Através da arteterapia, a psicologia da arte une-se à prática da clínica psiquiátrica, e não será demasiado afirmar-se que representa um elo de ligação inestimável no âmbito dos processos terapêuticos.
Não se trata, portanto, de um simples entretenimento, ou de algo meramente complementar, mas de um método que, uma vez incentivado, pode representar fator decisivo na atenuação de distúrbios comuns às doenças mentais.
Como campo e cenário privilegiado de expressão, as Belas-Artes dizem respeito, em especial, à vida afetiva, porém, por sua ressonância, beneficiam a iniciativa e estimulam o contato cognitivo, de modo a possibilitar melhor integração mental e reequilíbrio no relacionamento interpessoal.
Além desses aspectos relevantes, a prática estética (por meio de diversas expressões artísticas) enriquece a criatividade e a participação pessoal nos cenários socioculturais, o que, sob o prisma das intervenções possíveis, nos difíceis impasses que se apresentam aos doentes mentais, representa um recurso de imenso valor.
Não se trata, é preciso ressaltar, de um procedimento que dispense a formação pessoal do agente terapêutico, através de conhecimentos indispensáveis de psicologia e psicopatologia, além da exigência de treinamento sob supervisão.
A arteterapia é uma especialização, nesse sentido, não uma alternativa a outros métodos de tratamento. O terapeuta, versado nessa prática, trabalha necessariamente em equipe e a sua contribuição não se restringe ao sofrimento das pessoas doentes, estendendo-se ao reconhecimento dos problemas pelos profissionais de outras categorias e, inclusive, pelos familiares (ou responsáveis, em determinadas instituições da realidade social).
Dr Ruy B Mendes Filho, Médico Psiquiatra, Mestre em Psicologia, Supervisor Clínico do HPI