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por Dr. Ricardo de Moura Biz, coordenador do Centro de Estudos em Saúde Mental Itupeva (CESMi), psiquiatra e psicanalista
O suicídio é o resultado de inúmeros fatores. Várias causas se afunilam neste fim trágico. Não é possível entender o suicídio em monobloco, como se uma única tendência humana levasse a esse ato. Tentativas de se relacionar este vasto tema, por exemplo, com a pulsão de morte, destrutiva, que impulsionaria o orgânico ao inorgânico, bem como pressões culturais ou até herança genética são ferramentas interessantes e úteis para a compreensão, mas não conseguem sozinhas abarcar a larga envergadura deste tema.
Portanto, a fim de facilitar a apreensão do suicídio, proponho desmembrá-lo em 5 tópicos, para ampliar os pontos de vista sobre esse denso tema.
1) estudos estatísticos e demográficos;
2) informações socioculturais;
3) estudos de cartas deixadas por suicidas;
4) estudos clínicos e relatos de casos;
5) aspectos biológicos relacionados ao suicídio.
Na verdade, deveríamos chamar de suicídios, no plural, assim como outras situações complexas como as pedofilias, os homossexualismos (que não são doenças, quero enfatizar) dada a variação de causas e desencadeantes que levam ao aparecimento dessas manifestações. No entanto, devemos ficar alertas com propostas explicativas, muitas vezes sedutoras e palatáveis, de cada uma dessas modalidades de estudos, aprisionando o entendimento do suicídio numa concepção reducionista.
Estudos estatísticos e demográficos
Tais estudos mapeiam e dão importante suporte epidemiológico para políticas públicas de prevenção. Traçam um raio-x de regiões e países e permitem não só diagnosticar prevalências em regiões ou países, mas levantar hipóteses sobre as causas, assim como também monitorar se as estratégias de combate estão sendo efetivas. Permit, por exemplo, detectar regiões críticas nos EUA e relacioná-las com estados nos quais o porte de arma é facilitado (Carroll-Ghosh et al, 2006).
A massa de dado obtida em pesquisas populacionais mostra ainda que estratégias “cognitivas”, tais como palestras informativas ou propagandas negativas não surtem efeito. Por outro lado, demonstram mais efetividade as seguintes estratégias “pragmáticas”:
a) evitar o acesso a armas de fogo;
b) instalar grades em viadutos e outros locais altos;
c) disponibilizar quantidades menores de medicação a cada prescrição psiquiátrica;
d) elaborar cartelas de medicamentos que dificultam a rápida retirada do comprimido, fazendo com que a pessoa que está tentando juntar comprimidos para se matar tenha uns segundos a mais para pensar;
e) disponibilizar estratégias de acolhimento, tais como serviços telefônicos de escuta treinada (por exemplo, o Centro de Valorização da Vida, existente no Brasil) e;
f) oferecer melhores condições de tratamento psicológico e psiquiátrico.
Outras possibilidades para esses estudos é o fato que permitem que se levantem hipóteses sobre fatores de “proteção” e “risco”. Por exemplo, países de maioria católica tais como Espanha, Portugal, Itália e França têm as menores taxas de suicídio do planeta (segundo dados da Organização Mundial da Saúde); seria provavelmente o fato de a religião pregar que a vida é um bem dado por Deus e somente Ele quem a poderia tirar. Em contrapartida, países do leste europeu tais como Hungria têm as maiores taxas do mundo; as hipóteses aventadas para esses países são alcoolismo (alto consumo de vodka) e severas instabilidades econômicas. Assim, tais hipóteses são particulares para cada país, ou grupo de países, e não são estanques, podendo ser muitas vezes questionáveis.
Com essa nobre função de triagem dos estudos estatísticos e demográficos, é possível selecionar dados inusitados, como, por exemplo, a exorbitante taxa de suicídio no município de São Miguel da Cachoeira-AM de 50 casos por cem mil habitantes, o que é quase 10 vezes a média nacional. O povo Guaraní-Kaioá no Mato Grosso do Sul tem médias de suicídio bem elevadas, cerca de 6 vezes mais que no Brasil como um todo. Parece que fatores relacionados à cultura indígena, como crenças, ritos e costumes não estão diretamente relacionados às causas desses suicídios . As hipóteses que justificariam tais dados exorbitantes seriam a dificuldade desses povos de inserção social em comunidades de cultura ocidental, com valores judaico-cristãos, ocasionando, desta maneira, uma morte cultural, o que seria insuportável para esses indígenas, que recorreriam a situações degradantes tais como álcool e prostituição. Isso provoca algum sentimento de exclusão nesses índios; seriam, paradoxalmente, estrangeiros em sua terra natal (Morgado, 1991).
Referências:
Carroll-Ghosh, et al (2006). Suicídio. In Tratado de psiquiatria clínica (pp1361-1384). Porto Alegre: Artmed.
Morgado, A. F. (1991) Epidemia de Suicídio entre os Guaraní-Kaiwá: Indagando suas Causas e Avançando a Hipótese do Recuo Impossível. Recuperado em 11 de agosto de 2015, da SciELO (Scientific Eletronic Library On Line): http://www.scielo.br