Palavras potentes e palavras falidas

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por Dr. Ricardo de Moura Biz, Médico Psiquiatra e Psicanalista, Membro da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, Colaborador do Centro de Estudos de Saúde Mental Itupeva.

 

Cada época tem seus termos, palavras e vícios de linguagem que acabam por esvaziar os sentidos de certos vocábulos.

Nos nossos dias, algumas expressões são tão utilizadas que, tais como moedas gastas, perdem o seu valor.

O poeta deve sistematicamente fugir dessas palavras desgastadas, desses clichês, que tornam o texto prosaico e explicativo.

Um texto poético não deve recomendar determinada ação do leitor: isso é auto ajuda, o que é bem diferente de poesia.

Além disso, um texto poético não deve ser informativo. As notícias, que são textos informativos por excelência, tem grande capacidade de grudar em nossa mente, principalmente aquelas sensacionalistas e violentas. Porém, da mesma forma que grudam, facilmente desgrudam, abrindo espaço para outras notícias igualmente chocantes. Forma-se um ciclo infindável de gruda e desgruda que anestesia a reflexão. Há quem passe a vida num carrossel de histórias bizarras…

Atualmente, o poeta deve evitar as seguintes palavras que se tornaram lugares comuns: oportunidade, aproveite, disponível, informação, saúde mental ( e todos os termos da psiquiatria), resiliência, superar, desafio, conquista, criatividade, sucesso, aprendizado, motivação, talento, felicidade, redes sociais, cuidado de si, online, focar, compartilhar etc Estas palavras estão mortas, poeticamente falando. Até é possível ressuscitar palavras, emprestando-lhes um novo sentido, mas fazer milagres é difícil…

A palavra que o poeta deve buscar é aquela repleta de sentidos, aquela que comunica desde o seu som onomatopeico até seu significado mais erudito. A palavra poética transborda em si, ao mesmo tempo que é atravessada por representações. Por tanto dizer, a palavra poética é faltante, pois não expressa tudo e deixa sempre uma brecha para o infinito.

Lacan deu o nome de “palavra cheia” para essas expressões com conteúdo inesgotável e “palavras vazias” para o palavrório sem valor que não diz nada. Muitas pessoas usam a logorreia justamente para se defender de algo que as ameaça. Falam muito para não escutar seu silêncio.

O poeta deve buscar termos frescos e inesperados. Só a absurdidade do contra senso rompe o lacre que acondiciona o pensamento.

 

 

 

AUTOR

Ricardo Biz

Psiquiatra Membro Associado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP), da FEPAL e da International Psychoanalytical Association (IPA) Livros publicados — O amor In verso — Sinto mas Ad versos — Psiquiatria, psicanálise e pensamento simbólico —Internações psiquiátricas (Org) — O que é a morte, papai?
E-mail: contato@psiquiatriajundiai.com.br

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